quarta-feira, 25 de agosto de 2010

É mais difícil entrevistar políticos hoje do que na época da ditadura

Nos anos 1980, Marcelo Tristão Athayde de Souza era estudante de engenharia. Num jornalzinho da faculdade, descobriu o dom para a comunicação e o nome que lhe acompanharia: Marcelo Tas (tirado das iniciais de seu sobrenome). Dali pulou para uma produtora que apontava novos caminhos para a tevê. Seu personagem mais famoso, Ernesto Varela, desconcertava políticos com perguntas inusitadas. Nunca mais deixaria as telinhas, e nem a aspiração pela ousadia. Entusiasta da internet, Tas ironiza os que se põem contra os avanços tecnológicos: “Eles estão boiando”. Hoje comanda um dos mais elogiados programas da tevê aberta, o CQC. Como no começo da carreira, continua a deixar os políticos embaraçados. “O maior medo deles é estar diante de uma situação na qual são obrigados a dizer a verdade”, conclui.


 Como um estudante de engenharia foi se ligar em comunicação? 

Havia um jornalzinho anarquista na faculdade que eu adorava. Me tornei editor e fiquei três anos na função. Eu escrevia uma espécie de coluna social que se chamava Calúnia Social. E detonava o movimento estudantil, tanto da esquerda quanto da direita. Um dia, entrevistei uma menina linda ligada à esquerda. Só que na entrevista falamos apenas de sua vida sexual, de namorados, orgasmos. Fui até ameaçado, mas ela adorou a entrevista… Isto sempre aconteceu na minha vida: o pessoal da esquerda acha que sou de direita, o da direita acha que sou de esquerda, e recebo pancadas dos dois lados.

Você criou essa imagem propositalmente? 

Não. Eu faço o que gosto, de forma intuitiva. Não tenho nenhuma intenção de esconder minhas convicções. Se quiserem saber realmente sobre o que penso do Lula, do Serra, do Quércia, deixo claro minha opinião. Mas sou discípulo daquele ensinamento do Chacrinha: “Eu vim pra confundir, não pra explicar”.

Na produtora de vídeo Olhar Eletrônico, quais eram as aspirações do grupo? 

Nossas aspirações eram simplesmente as máximas possíveis. Escrevemos nossa intenção num livro de ata: “Revolucionar a tevê do terceiro milênio”, desse jeito mesmo. A tevê era muito quadrada, feita com câmeras grandes, pesadas. Ninguém tinha câmeras em casa. Até que conseguimos umas menorzinhas. Íamos às ruas, inventávamos nossas próprias matérias e víamos que o resultado era similar a uma matéria de tevê. Só não tínhamos lugar para veiculá-las. Isso até o apresentador Goulart de Andrade começar a exibir nossas matérias.

Havia desconfiança em relação ao que vocês faziam? 

Éramos totalmente pró-tecnologia e rolava um certo preconceito. Igualzinho ao que rola hoje em relação à internet. Os intelectuais da USP diziam: “A televisão, o vídeo, é tudo uma diluição e blablablá”, aquele monte de conceitos. Igual ao que se fala hoje do Twitter. Eles estavam tão perdidos naquela época como estão perdidos hoje. Continuam boiando… Diante de uma novidade, há quem prefira se manter na ignorância, na distância, no “não me misturo com isso”. Essas pessoas não veem que o mundo já foi transformado por essas tecnologias.

Nessa época surgiu o Ernesto Varela. Como era, ainda na ditadura, fazer perguntas tão provocativas a políticos? 

Muito excitante. E digo mais: hoje é mais difícil entrevistar políticos do que na época da ditadura. No CQC temos um controle absurdo na hora de falar com políticos. Para se aproximar do presidente ou mesmo de um candidato a deputado, temos que passar por barreiras de segurança. Às vezes apanhamos – coisa que não acontecia quando me aproximava do ex-presidente Figueiredo, por exemplo. Jamais um segurança do Figueiredo me deu uma porrada na frente das câmeras.

Por que os políticos lidam tão mal com programas como o CQC?
 

O maior medo deles é estar diante de uma situação na qual são obrigados a dizer a verdade. Eles têm aparatos gigantescos para evitá-la: marqueteiros, assessoria de imprensa, estrategistas, seguranças, carros blindados. Eu acho uma burrice. Porque algo diferente, mais quente, seria bom para eles. Hoje é tudo morninho, tudo “photoshopado”… Eles acreditam que, assim, cuidam das suas imagens. Pelo contrário. Assim a imagem deles perde totalmente a relevância. O que pensam não repercute na opinião pública, ninguém está nem aí. Aos poucos, o CQC foi ganhando relevância porque com a gente eles falam de outro jeito. O primeiro a sacar isso foi o Lula. Depois, o Maluf, que é muito esperto. Ele sabe que, por mais que apanhe ao se aproximar do microfone do CQC, vai interagir com pessoas que não se importavam mais com ele. E pode ser até que ganhe novos simpatizantes.

Em 1986, como Ernesto Varela, você entrevistou Nabi Abi Chedid e ocorreu uma discussão homérica. Há pouco tempo ocorreu o mesmo com o prefeito de Barueri durante uma matéria do CQC. Os acontecimentos foram parecidos?  

Os dois casos têm muito a ver. Mas, para fazer justiça ao Nabi, ele nunca tentou me censurar, mesmo com poderes para isso. Ele era chefe da delegação na Copa de 1986 e havia proibido os jogadores de falar sobre política. O Brasil vivia eleições, e tínhamos a seleção mais politizada da história: Sócrates, Casagrande… Eu estava indo fazer outra reportagem pelo pool SBT e Record quando ouvi a notícia pelo rádio do carro e resolvi ir para a concentração. Estava rolando uma entrevista coletiva, e, para minha surpresa, ninguém havia questionado o Nabi sobre a proibição. Só no fim da coletiva consegui pegá-lo. Rolou uma grande discussão, ele me chamou de mau brasileiro e outras coisas mais. Talvez seja uma das minhas entrevistas que mais repercutiram. À noite, no hotel, toda a cúpula dos cronistas esportivos nos visitou para ver a matéria em primeira mão: Juca Kfouri, Alberto Helena, Ricardo Kostcho. Mas não recebi represália nenhuma do Nabi. Tive acesso total aos treinos e aos jogos. Hoje rola uma limitação gigantesca ao trabalho do jornalista e a gente acha normal. É revoltante este ambiente de censura em que vivemos.

Como no caso do prefeito de Barueri? Por que ele agiu daquela forma agressiva? 

Ele agiu no DNA antigo, que chamo de DNA analógico – quando só se fala, não se ouve. Danem-se o telespectador e o eleitor. Age-se como se não fosse haver reação. No mundo digital, as coisas são diferentes. Mas um prefeito do interior de São Paulo conseguir censurar um programa televisivo… Isso é muito preocupante. O Brasil avançou numa série de coisas, mas ainda há instrumentos de censura à livre expressão.

Como falar de política em ano de eleição? 

Nós brincamos de Chico Buarque, “fazendo música” com segundos, terceiros, quartos sentidos. No período em que as pessoas mais querem discussões políticas, é proibido ter debate político na tevê. É ridículo. Chega ao ponto de cartunista ser proibido de ironizar a figura dos candidatos. O que vai fazer um cartunista sem ironia? É a mesma coisa que um médico sem bisturi. Isso despolitiza uma geração. Pelo CQC, percebo que as pessoas estão voltando a se interessar por política.

Você acredita que a tevê melhorou dos anos 1980 pra cá? 

Não digo que melhorou. Prefiro dizer que andou bastante. Mas ainda está muito aquém do que o telespectador espera, principalmente no quesito ousadia. O telespectador já está pronto para a ousadia, e a tevê fica sonegando isso. Vai soltando homeopaticamente. A ousadia dá sempre certo: CQC, Pânico, TV Pirata, novela Pantanal. Mas olha essas novelas atuais… São todas iguais. Os mesmos cenários, os mesmos apartamentos. Parece que são filmadas na Tok&Stok.

A internet é uma revolução nos meios de comunicação? 

A internet é um nó dramático em nossa história. O rádio, a tevê, o jornal, o cinema foram cortes lineares. A internet é um corte não linear, que afeta toda a cadeia. Antes, aparecia a tevê e afetava um pouco o cinema. Logo depois os dois conviviam novamente. Agora temos um corte que afeta da indústria de pasta de dente à produção de livros, da tevê à indústria fonográfica. E tudo ao mesmo tempo.

E no campo educacional, o que mudou?
 

A escola deve estar muito atenta à internet. O aluno que chega hoje numa sala de aula não tem mais um único provedor de informação, como eu tive, que era o professor. Hoje tem milhares. O aluno precisa desenvolver outras habilidades para discernir, filtrar as informações às quais tem acesso. O papel do professor hoje é auxiliá-lo neste processo.

Qual é o papel do Brasil diante de tantas transformações mundiais? 

O Brasil precisa chegar ao presente. Nós fomos durante muito tempo em direção ao futuro. Agora temos que chegar ao presente e perceber que temos uma chance enorme nas mãos. Nem é preciso grandes elucubrações filosóficas. Hoje, ao lado da Índia, do México e de alguns outros países, temos uma chance gigantesca de começar a ter um papel relevante na história humana. Claro que sem esse primitivismo com que tratamos a liberdade de expressão, sem esse pouco investimento em educação. Nossa chance está presente. As pessoas, mesmo que aos trancos e barrancos, estão cada vez mais tendo acesso à informação, indo à escola, se formando. O País tem saúde comercial. Quer um exemplo? Nossos voos estão sempre lotados. Às vezes pego avião em horários inusitados e percebo esse fenômeno. Tem voo às 23h de São Paulo a Aracaju, e está totalmente cheio. Dá vontade de perguntar: “O que vocês estão indo fazer em Aracaju a esta hora?!”.

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